Cap. 3 – MÉTODO

18. O desejo muito natural e louvável dos adeptos, que não se precisaria se estimular, é o de fazer prosélitos. Para facilitar-lhes a tarefa é que nos propomos a examinar aqui o meio mais seguro, segundo pensamos, de atingir esse objetivo poupando esforços inúteis.
            Dissemos que o Espiritismo é toda uma Ciência, toda uma Filosofia. Quem desejar conhecê-lo seriamente deve pois, como primeira condição, submeter-se a um estudo sério e persuadir-se de que, mais do que qualquer outra ciência, não se pode aprendê-lo brincando. O Espiritismo, já o dissemos, se relaciona com todos os problemas da Humanidade.
Seu campo é imenso e devemos encará-lo sobretudo quanto às suas conseqüências. A crença nos Espíritos constitui sem dúvida a sua base, mas não basta para fazer um espírita esclarecido, como a crença em Deus não basta para fazer um teólogo. Vejamos, pois, de que maneira convém proceder no seu ensino, para levar-se com mais segurança à convicção.
            Que os adeptos não se assustem com a palavra ensino. Não se ensina apenas do alto da cátedra ou da tribuna, mas também na simples conversação. Toda pessoa que procura persuadir outra por meio de explicações ou de experiências, ensina. O que desejamos é que esse esforço dê resultados. Por isso julgamos nosso dever dar alguns conselhos, que poderão ser aproveitados pelos que desejam instruir-se a si mesmos e que terão aqui o meio e chegar mais segura e prontamente ao alvo.
            19. Acredita-se geralmente que para convencer é suficiente apresentar os fatos. Esse parece realmente o procedimento mais lógico, e no entanto a experiência mostra que nem sempre é o melhor, pois freqüentemente encontramos pessoas que os fatos mais evidentes não convencem de maneira alguma. A que se deve isso? É o que tentaremos demonstrar.
            No Espiritismo, a questão dos Espíritos está em segundo lugar, não constituindo o seu ponto de partida. E é esse, precisamente, o erro em que se cai e que acarreta o fracasso com certas pessoas. Sendo os Espíritos simplesmente as almas dos homens, o verdadeiro ponto de partida é então a existência da alma. Como pode o materialista admitir a existência de seres que vivem fora do mundo material, quando ele mesmo se considera apenas material? Como pode crer na existência de Espíritos ao seu redor, se não admite seu próprio Espírito? Em vão se amontoarão aos seus olhos as provas mais palpáveis. Ele contestará a todas elas, porque não admite o princípio.
            Todo ensino metódico deve participar do conhecido para o desconhecido. Para o materialista, o conhecido é a matéria. Parti, pois, da matéria e tratai de lhe demonstrar, antes de tudo, que há nele próprio alguma coisa que escapa às leis materiais. Numa palavra: antes de torná-lo espírita procurai fazê-lo ESPIRITUALISTA. Mas, para isso, é necessária outra ordem de fatos e se deve proceder, por outros meios, a uma forma especial de ensino. Falar-lhe de Espíritos antes que ele esteja convencido de ter uma alma é começar pelo fim, pois ele não pode admitir a conclusão se não aceita as premissas.
            Antes, pois, de tentar convencer um incrédulo, mesmo por meio dos fatos, convém assegurar-se de sua opinião sobre a alma, ou seja, se ele crê na sua existência, na sua sobrevivência ao corpo, na sua individualidade após a morte. Se a resposta for negativa, será tempo perdido falar-lhe dos Espíritos. Eis a regra. Não dizemos que não haja exceção. Mas nesse caso deve existir outra razão que o torne menos refratário.
       20. Devemos distinguir duas classes de materialistas: na primeira estão os que o são por sistema. Para eles não há dúvida, mas a negação absoluta, segundo a sua maneira de raciocinar. Aos seus olhos o homem não passa de uma máquina enquanto vivo, mas que se desarranja e depois da morte só deixa o esqueleto. Seu número é felizmente bastante restrito e em parte alguma representa uma escola abertamente declarada. Não precisamos acentuar os deploráveis efeitos que resultariam para a ordem social da vulgarização de semelhante doutrina. Estendemo-nos suficientemente a respeito em O LIVRO DOS ESPÍRITOS (nº 147 e parágrafo III da Conclusão).
     Quando dissemos que a dúvida dos incrédulos cessa diante de uma explicação racional, é necessário excetuar os materialistas radicais, que negam toda potência e qualquer princípio inteligente fora da matéria. A maioria se obstina nessa opinião por orgulho e acha que deve mantê-lo por amor próprio. Persistem nela apesar de todas as provas contrárias porque não querem ficar por baixo. Nada se tem a fazer com eles. Nem se deve acreditar na falsa expressão de sinceridade dos que dizem: Fazei-me ver e acreditarei. Há os que são mais francos e logo dizem: Mesmo se eu visse não acreditaria.
     21. A segunda classe de materialistas, muito mais numerosa, compreende os que o são por indiferença, e, podemos dizer, por falta de coisa melhor, já que o materialismo real é um sentimento antinatural. Não o são deliberadamente e o que mais desejam é crer, pois a incerteza os atormenta. Sentem uma vaga aspiração do futuro, mas esse futuro lhes foi apresentado de maneira que sua razão não pode aceitar, nascendo daí a dúvida, e como conseqüência da dúvida, a incredulidade. Para eles, pois, a incredulidade não se apóia num sistema. Tão logo lhes apresenteis alguma coisa de racional, eles a aceitarão com ardor. Esses podem nos compreender, porque estão mais próximos de nós do que poderiam supor.
     Com os primeiros, não faleis de revelação, nem de anjos ou do Paraíso, pois, não compreenderiam. Mas colocai-vos no seu próprio terreno e provai-lhes, primeiro, que as leis da Filosofia não podem explicar tudo: o resto virá depois. A situação é outra quando não se trata de incredulidade preconcebida, pois nesse caso a crença não foi totalmente anulada e permanece como germe latente, asfixiado pelas ervas daninhas, que uma centelha pode reanimar. É o cego a que se restitui à vista e que se alegra de rever a luz, é o náufrago a que se atira uma tábua de salvação.
            22. Ao lado dos materialistas propriamente ditos há uma terceira classe de incrédulos que, embora espiritualistas, pelo menos no nome, não são menos refratários ao Espiritismo: são os incrédulos de má vontade. Esses não querem crer, porque isso lhes perturbaria o gozo dos prazeres materiais. Temem encontrar a condenação de sua ambição, do seu egoísmo e das vaidades humanas com que se deliciam. Fecham os olhos para não ver e tapam os ouvidos para não ouvir. Só podemos lamentá-los.
     23. Somente para lembrá-la, falaremos de uma quarta categoria a que chamaremos de incrédulos interesseiros ou de má fé. Estes sabem muito bem o que há de certo no Espiritismo, mas o condenam ostensivamente por motivos de interesse pessoal. Nada temos a dizer deles nem a fazer com eles. Se o materialista radical se engana, tem ao menos a desculpa da boa fé; podemos corrigi-lo, provando-lhe o erro. Neste último, há uma determinação contra a qual se esboroam todos os argumento. O tempo se encarregará de lhe abrir os olhos e lhe mostrar, talvez á sua própria custa, onde estavam os seus verdadeiros interesses. Porque, não podendo impedir a expansão da verdade, eles serão arrastados pela correnteza, juntamente com os interesses que pensavam salvaguardar.      
    24. Além dessas categorias de opositores há uma infinidade de variações, entre as quais se podem contar os incrédulos por covardia, que terão coragem quando verificarem que os outros não foram prejudicados; os incrédulos por escrúpulo religioso, que um ensino esclarecido fará ver que o Espiritismo se apóia nos próprios fundamentos da Religião e respeita todas as crenças, tendo como um de seus efeitos despertar os sentimentos religiosos nos descrentes, fortalecendo-os nos vacilantes; os incrédulos por orgulho, por espírito de contradição, por negligência, por leviandade, etc. etc.
  25. Não podemos esquecer uma categoria que chamaremos de incrédulos por decepção. Abrange os que passaram de uma confiança exagerada à incredulidade, por terem sofrido desilusões. Assim, desencorajados, abandonaram tudo e tudo rejeitaram. São como aquele que negasse a boa fé por ter sido enganado. São ainda as conseqüências de um estudo incompleto do Espiritismo e da falta de experiência. Aquele que é mistificado por Espíritos, geralmente é porque lhes fez perguntas indevidas ou que eles não podiam responder, ou porque não estavam bastante esclarecidos para distinguir a verdade da impostura. Muitos, aliás, só vêem o Espiritismo como uma nova forma de adivinhação e pensam que os Espíritos existem para ler a buena-dicha. Ora, os Espíritos levianos e brincalhões não perdem a oportunidade de se divertirem á sua custa: é assim que anunciarão casamentos para as moças; honrarias, heranças e tesouros ocultos para os ambiciosos, e assim por diante. Disso resultam, freqüentemente, desagradáveis decepções, de que o homem sério e prudente sabe sempre se preservar.
   26. Uma classe muito numerosa, a mais numerosa de todas, mas que não poderia figurar entre os opositores, é a dos vacilantes. São geralmente espiritualistas por princípio. Na sua maioria tem uma vaga intuição das idéias espíritas e desejam alguma coisa que não podem definir. Falta-lhes apenas coordenar e formular os seus pensamentos. O Espiritismo aparece-lhes como um raio de luz: é a claridade que afugenta as névoas. Por isso o acolhem com sofreguidão, pois ele os liberta das angústias da incerteza.
    27. Se lançarmos agora um olhar sobre as diversas categorias de crentes, encontraremos primeiro os espíritas sem o saber. São uma variedade ou uma subdivisão da classe dos vacilantes. Sem jamais terem ouvido falar da Doutrina Espírita, tem o sentimento inato dos seus grandes princípios e esse sentimento se reflete em algumas passagens de seus escritos ou de seus discursos, de tal maneira que, ouvindo-os, acredita-se que sejam verdadeiros iniciados. Encontram-se numerosos desses exemplos entre os escritores sacros e profanos, entre os poetas, os oradores, os moralistas, os filósofos antigos e modernos.
  28. Entre os que se convenceram estudando diretamente os assuntos podemos distinguir:
1º) Os que acreditam pura e simplesmente nas manifestações.Consideram o Espiritismo como uma simples ciências de observação, apresentando uma série de fatos mais ou menos curiosos. Chamamo-los: espíritas experimentadores.
2º) Os que não se interessam apenas pelos fatos e compreendem o aspecto filosófico do Espiritismo, admitindo a moral que dele decorre, mas sem a praticarem. A influência da Doutrina sobre o seu caráter é insignificante ou nula. Não modificam em nada os seus hábitos e não se privariam de nenhum de seus prazeres. O avarento continua insensível, o orgulhoso cheio de amor próprio, o invejoso e os ciumentos sempre agressivos. Para eles, a caridade cristã não passa de uma bela máxima. São os espíritas imperfeitos.
3º) Os que não se contentam em admirar apenas a moral espírita, mas a praticam e aceitam todas as suas conseqüências. Convictos de que a existência terrena é uma prova passageira, tratam de aproveitar os seus breves instantes para avançar na senda do progresso, única que pode elevá-los de posição no Mundo dos Espíritos, esforçando-se para fazer o bem e reprimir as suas más tendências. Sua amizade é sempre segura, porque a sua firmeza de convicção os afasta de todo mau pensamento. A caridade é sempre a sua regra de conduta. São esses os verdadeiros espíritas, ou melhor os espíritas cristãos.(1)  
4º) Há, por fim, os espíritas exaltados. A espécie humana seria perfeita, se preferisse sempre o lado bom das coisas. O exagero é prejudicial em tudo. No Espiritismo ele produz uma confiança cega e freqüentemente pueril nas manifestações do mundo invisível, fazendo aceitar muito facilmente e sem controle aquilo que a reflexão e o exame demonstrariam ser absurdo ou impossível, pois o entusiasmo não esclarece, ofusca. Esta espécie de adeptos é mais nociva do que útil a causa do Espiritismo. São os menos capazes de convencer, porque se desconfia com razão do seu julgamento. São enganados facilmente por Espíritos mistificadores ou por pessoas que procuram explorar a sua credulidade. Se apenas eles tivessem de sofrer as conseqüências o mal seria melhor, mas o pior é que oferecem, embora sem querer, motivos aos incrédulos que mais procuram zombar do que se convencer e não deixam de imputar a todos o ridículo de alguns. Isso não é justo nem racional, sem dúvida, mas os adversários do Espiritismo, como se sabe, só reconhecem como boa a sua razão e pouco se importam de conhecer a fundo aquilo de que falam.
  29) Os meios de convicção variam extremamente, segundo os indivíduos. O que persuade a uns não impressiona a outros. Se um se convence por meio de certas manifestações materiais, outro por comunicações inteligentes, a maioria é pelo raciocínio. Podemos mesmo dizer que, para a maior parte dos que não estão em condições de apreciá-los pelo raciocínio, os fenômenos materiais são de pouca significação. Quanto mais extraordinários são esses fenômenos, afastando-se bastante das leis conhecidas, maior oposição encontram. E isso por um motivo muito simples: é que somos naturalmente levados a duvidar daquilo que não tem uma sansão racional. Cada qual o encara a seu modo e dá sua explicação particular: o materialista descobre uma causa física ou uma trapaça; o ignorante e o supersticioso, uma  causa diabólica ou sobrenatural. Entretanto, uma explicação antecipada tem o efeito de destruir as idéias preconcebidas e mostrar, se não a realidade, pelo menos a possibilidade do fato. Compreende-se antes de ver, pois desde que aceitamos a possibilidade, três quartos da convicção foram realizados.
   30. Será útil procurar convencer um incrédulo obstinado? Já dissemos que isso depende das causas e da natureza da sua incredulidade. Muitas vezes, nossa insistência em persuadi-lo o leva a crer na sua importância pessoal, que é uma razão para mais se obstinar. Aquele que não se convence pelo raciocínio nem pelos fatos, deve ainda sofrer a prova da incredulidade. Devemos deixar à Providência o cuidado de encaminhá-lo a circunstâncias mais favoráveis. Há muita gente que só deseja receber a luz, para estarmos perdendo tempo com os que a repelem. Dirigi-vos, pois, aos homens de boa vontade, cujo número é maior do que se pensa, e o exemplo destes, multiplicando-se, vencerá mais facilmente as resistências do que as palavras. Ao verdadeiro espírita nunca faltará oportunidade de fazer o bem. Há corações aflitos a aliviar, consolações a dispensar, desesperos a acalmar, reformas morais a operar. Essa é a sua missão e nela encontrará a verdadeira satisfação. O Espiritismo impregna a atmosfera: expande-se pela própria força das circunstâncias e porque torna felizes aqueles que o professam. Quando os seus adversários sistemáticos o ouvirem ressoando ao seu redor, entre os seus próprios amigos, compreenderão o isolamento em que se encontram e serão forçados a calar ou a se renderem.
   31. Para se proceder, no ensino do Espiritismo, como se faz nas ciências ordinárias, seria necessário passar em revista toda a série de fenômenos que podem produzir-se, a começar dos mais simples até chegar, sucessivamente, aos mais complicados. Ora, isso é impossível, porque não se pode fazer um curso de Espiritismo experimental como se faz um curso de Física ou de Química. Nas Ciências Naturais opera-se sobre a matéria bruta, que se manipula a vontade e quase sempre se consegue determinar os efeitos. No Espiritismo, tem-se de lidar com inteligências dotadas de liberdade e que provam, a cada instante, não estarem sujeitas aos nossos caprichos. É necessário, pois observar, esperar os resultados e colhê-los na ocorrência.
     Por isso declaramos energicamente que: todo aquele que se vangloriar de obtê-los à vontade não passa de ignorante ou impostor. Eis porque o verdadeiro Espiritismo jamais servirá para exibições nem subirá jamais aos palcos. É mesmo ilógico supor que os Espíritos se entreguem a exibições e se submetam à pesquisa como objetos de curiosidade. Os fenômenos, por isso mesmo, podem não ocorrer quando mais os desejamos ou apresentar-se de maneira muito diversa da que pretendíamos. Acrescentemos ainda que, para obtê-los, necessitamos de pessoas dotadas de faculdades especiais, que variam ao infinito, segundo a aptidão de cada indivíduo. Ora, sendo extremamente raro que uma mesma pessoa tenha todas as aptidões, a dificuldade aumenta, pois, seria necessário dispormos sempre de uma verdadeira coleção de médiuns, o que não é possível.
            É muito simples o meio de evitar estes inconvenientes. Basta começar pela teoria. Nela, todos os fenômenos são passados em revista, são explicados e se pode conhecê-los e compreender a sua possibilidade, as condições em que podem ser produzidos e os obstáculos que podem encontrar. Dessa maneira, qualquer que seja a ordem em que as circunstâncias nos fizerem vê-los, nada terão que possa surpreender-nos. E há ainda outra vantagem: a de evitar muitas decepções ao experimentador. Prevenido quanto às dificuldades, pode manter-se vigilante e poupar-se das experiências à própria custa.
    Desde que nos ocupamos de Espiritismo foram tantas as pessoas que nos acompanharam, que seria difícil presenciar o seu número. Entre elas, quantas permaneceram indiferentes ou incrédulas diante dos fatos mais evidentes, só se convencendo mais tarde através de uma explicação racional. Quantas outras foram predispostas a aceitar por meio do raciocínio; e quantas, afinal, acreditaram sem nada terem visto, levados unicamente pela compreensão. Falamos, portanto, por experiência, e por isso afirmamos que o melhor método de ensino espírita é o que se dirige à razão e não aos olhos. É o que seguimos em nossas lições, do que só temos que nos felicitar.(2)  
      32. O estudo prévio da teoria tem ainda a vantagem de mostrar imediatamente a grandeza do objetivo e o alcance desta Ciência. Aquele que se inicia vendo uma mesa girar ou bater pode inclinar-se à zombaria, porque dificilmente imaginaria que de uma mesa possa sair uma doutrina regeneradora da Humanidade. Acentuamos sempre que os que crêem sem ter visto, porque leram e compreenderam, ao invés de superficiais são os mais ponderados. Ligando-se mais ao fundo que à forma, o aspecto filosófico é para eles o principal, e os fenômenos propriamente ditos são apenas o acessório. Chegam mesmo a dizer que se os fenômenos não existissem, nem por isso a filosofia deixaria de ser a única que resolve tantos problemas até hoje insolúveis; a única que oferece ao passado e ao futuro humano a teoria mais racional. Preferem, assim, uma doutrina que realmente explica, aquelas que nada explicam ou que explicam mal. Quem refletir a respeito compreenderá claramente que se pode fazer abstração das manifestações, sem que a doutrina tenha por isso de desaparecer. As manifestações corroboram, a confirmam, mas não constituem um fundamento essencial. O observador sério não as repele, mas espera as circunstâncias favoráveis para observá-las. A prova disso é que antes de ouvirem falar das manifestações muitas pessoas tiveram a intuição dessa doutrina, que veio apenas corporificar num conjunto as suas idéias.
     33. Aliás, não seria certo dizer que, aos que começam pela teoria, faltem às observações práticas. Eles as possuem, pelo contrário, e certamente mais valiosas aos seus olhos que as produzidas nas experiências: são os fatos numerosos de manifestações espontâneas, de que trataremos nos capítulos seguintes. São poucas as pessoas que não as conhecem, ao menos por ouvir dizer, e muitas as que as obtiveram, sem prestar-lhes a devida atenção. A teoria vem dar-lhes explicação, e consideramos esses fatos de grande importância, quando se apóiam em testemunhos irrecusáveis, porque não se pode atribuir-lhes qualquer preparação ou conivência. Se os fenômenos provocados não existissem, nem por isso os espontâneos deixariam de existir, e se o Espiritismo só servisse para lhes dar uma explicação racional, isto já seria bastante. Assim, a maioria dos que lêem previamente referem os princípios  a esses fatos, que são para eles uma confirmação da teoria.
    34. Seria absurdo supor que aconselhamos a negligenciar os fatos, pois foi pelos fatos que chegamos à teoria. É verdade que isso nos custou um trabalho assíduo de muitos anos e milhares de observações. Mas desde que
os fatos nos serviram e servem diariamente, seríamos incoerentes se lhes contestássemos a importância, sobretudo agora que fazemos um livro para ensinar como conhecê-los. Sustentamos apenas que, sem o raciocínio, eles não bastam para levar á convicção. Que uma explicação prévia, afastando as prevenções e mostrando que eles não são absurdos, predispõe a aceitá-los.
    Isso é tão certo que, de dez pessoas estranhas ao assunto, que assistam a uma sessão de experimentação, das mais satisfatórias para os adeptos, nove sairão sem convencer-se, e algumas delas ainda mais incrédulas do que antes, porque as experiências não corresponderam ao que esperavam. Acontecerá o contrário com as que puderam informar-se dos fatos por um conhecimento teórico antecipado. Para estas, esse conhecimento servirá de controle e nada as surpreenderá, nem mesmo o insucesso, pois saberão em que condições os fatos se produzem e que não se lhes deve pedir o que eles não podem dar. A compreensão prévia dos fatos torna-as capazes de perceber todas as dificuldades, mas também de captar uma infinidade de pormenores, de nuanças quase sempre muito sutis, que serão para elas elementos de convicção que escapam ao observador ignorante. São esses os motivos que nos levam a só admitir em nossas sessões experimentais pessoas suficientemente preparadas para compreender o que se passa, pois sabemos que as outras perderiam o seu tempo ou nos fariam perder o nosso.
     35. Para aqueles que desejarem adquirir esses conhecimentos preliminares através das nossas obras, aconselhamos a seguinte ordem:
1º) O que é o Espiritismo: Esta brochura, de apenas uma centena de páginas, apresenta uma exposição sumária dos princípios da Doutrina Espírita, uma visão geral que permite abranger o conjunto num quadro restrito. Em poucas palavras se percebe o seu objetivo e se pode julgar o seu alcance. Além disso, apresenta as principais perguntas ou objeções que as pessoas novatas costumam fazer. Essa primeira leitura, que exige pouco tempo, é uma introdução que facilita o estudo mais profundo.(3)
2º) O Livro dos Espíritos: contém a doutrina completa ditada pelos Espíritos, com toda a sua Filosofia e todas as suas conseqüências morais. É o destino do homem desvelado, a iniciação ao conhecimento da natureza dos Espíritos e os mistérios da vida de além túmulo. Lendo-o, compreende-se que o Espiritismo tem um objetivo sério e não é um passatempo frívolo.
3º) O Livros dos Médiuns: Destinado a orientar na prática das manifestações, proporcionando o conhecimento dos meios mais apropriados de nos comunicarmos com os Espíritos.É um guia para os médiuns e para os evocadores e o complemento de O Livro dos Espíritos.
4º) A Revista Espírita: Uma variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos destacados que completam a exposição das duas obras precedentes, e que representa de alguma maneira a sua aplicação. Sua leitura pode ser feita ao mesmo tempo em que a daquelas obras, mas será mais proveitosa e mais compreensível sobretudo após a de O Livro dos Espíritos.
     Isso no que nos concerne. Mas os que desejam conhecer completamente uma ciência devem ler necessariamente tudo o que foi escrito a respeito, ou pelo menos o principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler os prós e os contras, as críticas e as apologias, iniciarem-se nos diferentes sistemas a fim de poder julgar pela comparação. Neste particular, não indicamos nem criticamos nenhuma obra, pois não queremos influir em nada na opinião que se possa formar. Levando nossa pedra ao edifício, tomamos apenas o nosso lugar. Não nos cabe ser ao mesmo tempo juiz e parte e não temos a pretensão ridícula de ser o único a dispensar a luz. Cabe ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso.(4)
 (1)   Sendo o Espiritismo uma doutrina eminentemente cristã, essa designação de espírita cristão pode parecer redundante. Por outro lado, poderia sugerir a existência de uma forma de Espiritismo não cristão, que na verdade não existe Kardec a emprega, porém, como designação do verdadeiro espírita, para distinguir estes daqueles que não seguem, como se vê acima, os princípios do Espiritismo (N. do T.)
(2) Ao pé da página, Kardec acrescentou esta nota: “Nosso ensino teórico e prático é sempre gratuito”. Com isso, evitava interpretações maldosas e dava o exemplo que foi sempre seguido pelos espíritas responsáveis em todo o mundo. O verdadeiro ensino espírita é sempre gratuito (N. do T.)
 (3) Apesar de já estarmos há mais de cem anos do lançamento desse pequeno livro, ele se conserva oportuno e até mesmo de leitura obrigatória para principiantes. E podemos acrescentar que mesmo os adeptos mais experimentados deviam relê-lo de vez em quando. (N. do T.)
(4) A conhecida modéstia de Kardec, bem demonstrada nestas palavras, leva algumas pessoas a não reconhecerem o valor fundamental da sua obra, que aliás não é apenas dele, mas principalmente dos Espíritos Superiores. Essa atitude, entretanto, reforça ainda mais a sua posição de Codificador, pois os verdadeiros missionários não se arrogam superioridade e os verdadeiros mestres querem, antes de mais nada, o desenvolvimento da compreensão própria e da capacidade de discernimento dos discípulos. (N.doT.)

Cap. 4 – SISTEMAS

36. Quando os estranhos fenômenos do Espiritismo começaram a se produzir, ou melhor, quando se renovaram nestes últimos tempos, suscitaram antes de mais nada a dúvida sobre a sua realidade e mais ainda a sua causa.(1)  Quando foram averiguados por testemunhos irrecusáveis e através de experiências que todos puderam fazer, aconteceu que cada qual os interpretou a seu modo, de acordo com suas idéias, suas crenças e seus preconceitos. Daí o aparecimento dos numerosos sistemas que uma observação mais atenta deveria reduzir ao seu justo valor.
            Os adversários do Espiritismo logo viram, nessas divergências de opinião, um argumento contrário, dizendo que os próprios espíritas não concordavam entre si. Era uma razão bem precária, pois os primeiros passos de todas as ciências em desenvolvimento são necessariamente incertos, até que o tempo permita a reunião e coordenação dos fatos que possam fixar-lhes a orientação. À medida que os fatos se completam e são melhor observados, as idéias prematuras se desfazem e a unidade de opinião se estabelece, quando não os detalhes, pelo menos sobre os pontos fundamentais. Foi o que aconteceu com o Espiritismo, que não podia escapar a essa lei comum, e que devia mesmo, por sua natureza, prestar-se ainda à diversidade de opiniões. Podemos dizer, aliás, que nesse sentido o seu avanço foi mais rápido que o de ciências mais antigas, como a Medicina, por exemplo, que ainda continua a dividir os maiores sábios.
 37. Para seguir a ordem progressiva das idéias, de maneira metódica, convém colocar em primeiro lugar os chamados sistemas negativos dos adversários do Espiritismo. Refutamos essas objeções na introdução e na conclusão de O Livro dos Espíritos, bem como na pequena obra intitulada O que é o Espiritismo? Seria inútil voltar ao assunto e nos limitaremos a lembrar, em duas palavras, os motivos em que eles se apóiam.
  Os fenômenos espíritas são de duas espécies: os de efeitos físicos e os de efeitos inteligentes. Não admitindo a existência dos Espíritos, por não admitirem nada além da matéria, compreende-se que eles neguem os efeitos inteligentes. Quanto aos efeitos físicos, eles os cometam à sua maneira e seus argumentos podem ser resumidos nos quatro sistemas seguintes:
   38. Sistema do Charlatanismo: Muitos dos antagonistas atribuem esses efeitos à esperteza, pela razão de alguns terem sido imitados. Essa suposição transformaria todos os espíritas em mistificados e todos os médiuns em mistificadores, sem consideração pela posição, ou caráter, o saber e a honorabilidade das pessoas. Se ela merecesse resposta, diríamos que alguns fenômenos da Física são também imitados pelos prestidigitadores, o que nada prova contra a verdadeira ciência. Há pessoas, aliás, cujo caráter afasta toda suspeita de fraude, e seria preciso não se ter educação nem urbanidade para atrever-se lhes dizer que são cúmplices de charlatanice. Num salão bastante respeitável, um senhor que se dizia muito educado permitiu-se fazer uma observação dessa e a dona da casa lhe disse: “Senhor, desde que não está satisfeito, o dinheiro lhe será devolvido na porta”, e com um gesto lhe indicou o melhor que tinha a fazer.
    Devemos concluir disso que nunca houve abusos? Seria necessário admitir que os homens são perfeitos. Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais santas. Por que não se abusaria do Espiritismo? Mas o mau emprego que se pode fazer de uma coisa não deve levar-nos a prejulgá-la. Podemos considerar a boa fé dos outros pelos motivos de suas ações. Onde não há especulação não há razão para o charlatanismo.
    39. Sistema da Loucura: Alguns, por condescendência, querem afastar a suspeita de fraude e pretendem que os que não enganam são enganados por si mesmos, o que equivale a chamá-los de imbecis. Quando os incrédulos são menos maneirosos, dizem simplesmente que se trata de loucura, atribuindo-se sem cerimônias o privilégio do bom senso. É esse o grande argumento dos que não tem melhores razões a apresentar. Aliás, essa forma de crítica se tornou ridícula pela própria leviandade e não merece que se perca tempo em refutá-la. Por sinal que os espíritas, pouco se importam com ela. Seguem corajosamente os seus caminhos, consolando-se ao pensar que tem por companheiros de infortúnio muita gente de mérito incontestável. É necessário convir, com efeito, que essa loucura, se trata de loucura, revela uma estranha característica: a de atingir de preferência a classe mais esclarecida, na qual o Espiritismo conta até o momento com a maioria absoluta de adeptos. Se nesse número se encontram alguns excêntricos, eles não depõem mais contra a Doutrina do que os fanáticos contra a Religião; do que os melomaníacos contra a Música; ou do que os maníacos calculadores contra a Matemática. Todas as idéias têm os seus fanáticos e seria necessário ser-se muito obtuso para confundir o exagero de uma idéia com a própria idéia. Para mais amplas explicações a respeito, enviamos o leitor à nossa brochura. O que é o Espiritismo ou a O Livro dos Espíritos, parágrafo XV da Introdução.
    40. Sistema da Alucinação: Outra opinião, menos ofensiva porque tem um leve disfarce científico, consiste em atribuir os fenômenos a uma ilusão dos sentidos. Assim, o observador seria de muito boa fé, mas creria ver o que não vê. Quando vê uma mesa levantar-se e permanecer no ar sem qualquer apoio, a mesa nem se moveu. Ele a vê no espaço por uma ilusão ou por um efeito de refração, como o que nos faz ver um astro ou um objeto na água, deslocado de sua verdadeira posição. A rigor, isso seria possível, mas os que testemunharam esse fenômeno constataram a suspensão passando por baixo da mesa, o que seria difícil se ela não houvesse sido elevada. Além disso, ela é elevada tantas vezes que acaba por quebrar-se ao cair. Seria isso também uma ilusão de óptica?
  Uma causa fisiológica bem conhecida pode fazer, sem dúvida, que se veja rodar uma coisa que nem se mexeu, ou que nos sintamos rodar quando estamos imóveis. Mas quando várias pessoas que estão ao redor de uma mesa são arrastadas por um movimento tão rápido que é difícil segui-la, e algumas são até mesmo derrubadas, teriam acaso sofrido vertigens, como o ébrio que vê a casa passar-lhe pela frente?(2)
41. Sistema do Músculo Estalante: Se assim fosse no que toca à visão, não seria diferente para o ouvido. Mas quando os golpes são ouvidos por toda uma assembléia, não se pode razoavelmente atribuí-los à ilusão. Afastamos, bem entendido, qualquer idéia de fraude, considerando uma observação atenta em que se tenha constatado que não havia nenhuma causa fortuita ou material.
    É verdade que um sábio médico deu ao caso uma explicação decisiva, segundo pensava: “A causa, disse ele, está nas contrações voluntárias ou involuntárias do tendão muscular do pequeno perônio”(3)  E entra nas mais completas minúcias anatômicas para demonstrar o mecanismo dessa produção de estalos,que pode imitar o tambor e mesmo executar árias ritmadas. Chega assim à conclusão de que os que ouvem os golpes numa mesa são vítimas de uma mistificação ou de uma ilusão. O fato nada apresenta de novo. Infelizmente para o autor dessa pretensa descoberta, sua teoria não pode explicar todos os casos. Digamos primeiramente que os dotados da estranha faculdade de fazer estalar a vontade o músculo do pequeno perônio, ou outro qualquer, e tocar árias musicais por esse meio, são criaturas excepcionais, enquanto a de fazer estalar as mesas é muito comum, e os que a possuem só muito raramente podem possuir aquela. Em segundo lugar, o sábio doutor esqueceu-se de explicar como podem esses estalos musculares de uma pessoa imóvel e distanciada da mesa produzir nestas vibrações sensíveis ao tato; como
esses estalos podem repercutir, à vontade dos assistentes, em lugares diversos da mesa, em outros móveis, nas paredes, no forro, etc.. e como, enfim, a ação desse músculo pode estender-se a uma mesa que não se toca e fazê-la mover-se sozinha. Esta explicação, aliás, se realmente explicasse alguma coisa, só poderia infirmar o fenômeno dos golpes, não podendo referir-se aos demais modos de comunicação. Concluímos, pois, que o seu autor julgou sem ter visto, ou sem ter visto tudo de maneira suficiente. É sempre lamentável que os homens de ciência se apressem a dar, sobre o que não conhecem, explicações que os fatos podem desmentir. O seu próprio saber deveria torná-los tanto mais ponderados em seus julgamentos, quanto mais esses saber lhes amplia os limites do desconhecido.
   42 Sistema das Causas Físicas: Saímos aqui dos sistemas de negação absoluta. Averiguada a realidade dos fenômenos, o primeiro pensamento que naturalmente ocorreu ao espírito dos que o viram foi de atribuir os movimentos ao magnetismo, à eletricidade ou à ação de um fluido qualquer, em uma palavra, a uma causa exclusivamente física, material. Essa opinião nada tinha de irracional e prevaleceria se o fenômeno se limitasse aos efeitos puramente mecânicos. Uma circunstância parecia mesmo corroborá-la: era, em alguns casos, o aumento da potência na razão do número de pessoas presentes, pois cada uma delas podia ser considerada como elemento de uma pilha elétrica humana. O que caracteriza uma teoria verdadeira, já o dissemos, é a possibilidade de explicar todos os fatos. Se um único fato a contraditar, é porque ela é falsa incompleta ou demasiado arbitrária. Foi o que não tardou a acontecer no caso. Os movimentos e os golpes revelaram inteligência, pois obedeciam a uma vontade e respondiam ao pensamento. Deviam, pois, ter uma causa inteligente. E desde que o efeito cessava de ser apenas físico, a causa, por isso mesmo, devia ser outra. Assim o sistema de ação exclusiva de um agente material foi abandonado e só se renova entre os que julgam a priori, sem nada terem visto. O ponto capital, portanto, é a constatação da ação inteligente, e é por ele que se pode convencer quem quiser se dar ao trabalho da observação.
   43. Sistema do Reflexo: Reconhecida à ação inteligente, restava saber qual seria a fonte dessa inteligência. Pensou-se que poderia ser a do médium ou dos assistentes, que se refletiria como a luz ou as ondas sonoras. Isso era possível e somente a experiência poderia dar a última palavra a respeito. Mas notemos, desde logo, que esse sistema se afasta completamente das idéias puramente materialistas: para a inteligência dos assistentes poder reproduzir-se de maneira indireta, seria necessário admitir a existência no homem de um princípio independente do organismo(4)
     Se o pensamento manifestado fosse sempre o dos assistentes, a teoria da reflexão estaria confirmada. Mas o fenômeno, mesmo assim reduzido, não seria do mais alto interesse? O pensamento a repercutir num corpo inerte  e a se traduzir por movimento e ruído não seria admirável? Não haveria nisso o que excitar a curiosidade dos sábios? Por que, pois, eles desprezaram esse fato, eles que se esgotam na procura de uma fibra nervosa?
     Somente a experiência, dissemos, poderia dar a última palavra sobre essa teoria, e a experiência a deu condenando-a, porque ela demonstra a cada instante, e pelos fatos, mais positivo, que o pensamento manifestado pode ser, não só estranho aos assistentes, mas quase sempre inteiramente contrário ao deles; que contradiz todas as idéias preconcebidas e desfaz todas as previsões. De fato,quando eu penso branco e me respondem preto, não posso acreditar que a resposta seja minha. Alguns se apóiam em casos de identidade entre o pensamento manifestado e o dos assistentes, mas o que é que isso prova, senão que os assistentes podem pensar como a inteligência comunicante? Não se pode exigir que estejam sempre em oposição. Quando, numa conversação, o interlocutor emite um pensamento semelhante ao vosso, direis por isso que ele o tirou de vós? Bastam alguns exemplos contrários e bem constatados para provar que essa teoria não pode ser decisiva.
   Como, aliás, explicar pelo reflexo do pensamento a escrita feita por pessoas que não sabem escrever? As respostas do mais elevado alcance filosófico obtidas através de pessoas iletradas. E aquelas dadas a perguntas mentais ou formuladas numa língua desconhecida do médium? E mil outros fatos que não podem deixar dúvida quanto à independência da inteligência manifestante? A opinião contrária só pode resultar de uma deficiência de observação. Se a presença de uma inteligência estranha é moralmente provada pela natureza das respostas, materialmente o é pelo fenômeno da escrita-direta, ou seja, da escrita feita espontaneamente, sem caneta nem lápis, sem contato e apesar de todas as precauções tomadas para evitar qualquer ardil. O caráter inteligente do fenômeno não poderia ser posto em dúvida; logo, há mais do que uma simples ação fluídica. Além disso, a espontaneidade do pensamento manifestado independente de toda expectativa e de qualquer questão formulada, não permite que se possa tomá-lo como um reflexo do que pensam os assistentes.
    O sistema do reflexo é muito desagradável em certos casos. Quando, por exemplo, numa reunião de pessoas sérias ocorre uma comunicação de revoltante grosseria, atribuí-la a um dos assistentes seria cometer uma grave indelicadeza, e é provável que todos se apressassem em repudiá-la. (Ver O Livro dos Espíritos, parágrafo XVI da Introdução).
    44. Sistema da Alma Coletiva: É uma variante do precedente, mas  identificando-se com a de muitas outras pessoas presentes ou ausentes, para formar um todo coletivo que reuniria as aptidões, a inteligência e os conhecimentos de cada uma delas. Embora a brochura que expõe essa teoria se intitule A Luz(5)  pareceu-nos de um estilo bastante obscuro. Confessamos haver compreendido pouco e só a citamos para registrá-la. Tratam-se, aliás, de uma opinião individual como tantas outras e que fez poucos adeptos. Ema Tirpse é o nome usado pelo autor para designar o ser coletivo que representa. Ele toma por epígrafe: Não há nada oculto que não venha a ser revelado. Essa proposição é evidentemente falsa, pois há uma infinidade de coisas que o homem não pode e não deve saber. Bem presunçoso seria o que pretendesse penetrar todos os segredos de Deus.
       45. Sistema Sonambúlico: Este sistema teve mais partidário, mas ainda agora conta com alguns. Como precedente, admite que todas as comunicações inteligentes procedem da alma ou Espírito do médium. Mas, para explicar como o médium pode tratar de assuntos que estão fora do seu conhecimento, em vez de considerá-lo dotado
de uma alma coletiva, atribui essa aptidão a uma superexcitação momentânea de suas faculdades mentais, a uma espécie de estado sonambúlico ou extático, que exalta e desenvolve a sua inteligência. Não se pode negar, em certos casos, a influência dessa causa, mas é suficiente haver presenciado como opera a maioria dos médiuns para compreender que ela não pode resolver todos os casos, constituindo pois a exceção e não a regra. Poderia ser assim, se o médium tivesse sempre o ar de inspirado ou extático, aparência que ele poderia, aliás, simular perfeitamente, se quisesse representar uma comédia. Mas como crer na inspiração, quando o médium escreve como uma máquina, sem a menor consciência do que obtém, sem a menor emoção, sem se preocupar com o que faz, inteiramente distraído, rindo e tratando de assuntos diversos?
   Concebe-se a excitação das idéias, mas não se compreende que ela faça escrever aquele que não sabe escrever, e ainda menos quando as comunicações são transmitidas por pancadas ou com a ajuda de uma prancheta ou de uma cesta. Veremos, no curso desta obra, o que se deve atribuir à influência das idéias do médium. Mas os casos em que a inteligência estranha se revela por sinais incontestáveis são tão numerosos e evidentes, que não podem deixar dúvidas a respeito. O erro da maior parte dos sistemas surgidos na origem do Espiritismo é tirar conclusões gerais de alguns fatos isolados.(6)
46. Sistema Pessimista, Diabólico ou Demoníaco: Entramos aqui em outra ordem de idéias. Constatada a intervenção de uma inteligência estranha, tratava-se de saber de que natureza era essa inteligência. O meio mais fácil era sem dúvida lhe perguntar, mas algumas pessoas não viam uma garantia suficiente e só quiseram ver em todas as manifestações uma obra diabólica. Segundo elas, somente o Diabo ou os Demônios podem comunicar-se. Embora esse sistema tenha hoje pouca aceitação, gozou por certo tempo de algum crédito, em virtude da condição especial daqueles que procuravam fazê-lo prevalecer. Assinalaremos, porém, que os partidários do sistema demoníaco não devem ser considerados entre os adversários do Espiritismo, antes pelo contrário. Os seres que se comunicam, quer sejam demônio ou anjo, são sempre seres incorpóreos. Ora, admitir a manifestação dos demônios é sempre admitir a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, ou pelo menos com uma parte desse mundo.
      A crença na comunicação exclusiva dos demônios, por mais irracional que seja, não parecia impossível quando se consideravam os Espíritos como seres criados fora da Humanidade. Mas desde que sabemos que os Espíritos são apenas as almas dos que já viveram, ela perdeu todo o seu prestígio, e podemos dizer toda a verossimilhança. Porque a conseqüência seria, que todas essas almas eram demônios, fossem elas de um pai, de um filho ou de um amigo,e que nós mesmos, ao morrer, nos tornaríamos demônios; doutrina pouco lisonjeira e pouco consoladora para muita gente. Será muito difícil convencer uma mãe de que uma criança querida que ela perdeu,e que após a morte lhe vem dar provas de sua afeição e de sua identidade, seja um suposto satanás. É verdade que entre os Espíritos existem os que são muito maus e não valem mais do que os chamados demônios, e isso por uma razão bem simples: é que existem homens muito maus e que a morte não os melhora imediatamente. A questão é saber se só eles podem comunicar-se. Aos que pensam assim, propomos as seguintes questões:
1º) Há Espíritos bons e maus?
2º) Deus é mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do que os Demônios, se quiserdes?
3º) Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não podem fazê-lo. Se assim é, de duas uma: isso acontece pela vontade ou contra vontade de Deus. Se é contra a sua vontade, os maus Espíritos são mais poderosos que Ele. Se é pela sua vontade, por que razão, na sua bondade, não permitiria a comunicação dos bons, para contrabalançar a influência dos outros?
4º) Que provas podeis dar da impossibilidade de se comunicarem os bons Espíritos?
5º) Quando vos opomos a sabedoria de certas comunicações, respondeis que o Demônio usa todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, realmente, que há Espíritos hipócritas que dão à sua linguagem um verniz de sabedoria. Mas admitis que a ignorância possa representar o verdadeiro saber e uma natureza má substituir a virtude, sem deixar transparecer a fraude?
6º) Se é só o Demônio que se comunica, e sendo ele o inimigo de Deus e dos Homens, por que recomenda orar a Deus, submissão à sua vontade, sofrer sem queixas as atribulações da vida, não ambicionar honras nem riquezas, praticar a caridade e todas as máximas do Cristo; em uma palavra, fazer tudo o que é necessário para destruir o seu império? Se for o Demônio quem dá esses conselhos, temos de convir que, por mais ardiloso seja, se mostra bastante inábil ao fornecer armas contra ele mesmo.(7)
7º) Desde que os Espíritos se comunicam,é que Deus o permite. Vendo as boas e as más comunicações, não é mais lógico pensar que Deus permite umas para nos provar e outras para nos aconselhar o bem?
8º) Que pensareis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos e dos conselhos perniciosos, e que afastasse dele, proibindo-o de vê-las,as pessoas que pudessem desviá-lo do mal? O que um bom pai não faria, devemos pensar que Deus, a bondade por excelência,estaria fazendo, menos compreensivo que um homem?
9º) A Igreja reconhece como autênticas algumas manifestações da Virgem e de outros santos, nas aparições, visões, comunicações orais etc.; essa crença não está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dos Demônios?
Acreditamos que algumas pessoas aceitaram de boa fé essa teoria. Mas acreditamos também que muitas o fizeram apenas para evitar a preocupação com essas coisas, por causa das más comunicações que todos estão sujeitos a receber. Dizendo que somente o Diabo se manifesta, quiseram assustar,assim como se faz a uma criança: “Não pegue nisso, que queima”!. A intenção pode ser louvável, mas não atingiu o objetivo, porque a proibição só serve para excitar a curiosidade e o temor do Diabo abrange poucas pessoas. Em geral querem vê-lo, nem que seja apenas para saber como ele é, e acabam se admirando de não encontrá-lo tão feio como pensavam.
    Não se poderia ainda encontrar outro motivo para esta teoria das comunicações exclusivas do Diabo? Há pessoas que consideram errados todos os que não pensam como elas. Ora, as que pretendem que as comunicações são dos Demônios não estariam com medo de encontrar Espíritos que as contrariem, muito mais no tocante aos interesses deste mundo que aos do outro? Não podendo negar o fato, quiseram apresentá-lo de maneira assustadora. Mas esse meio não deu mais resultados que os outros, e onde o medo do ridículo é importante, o melhor é deixar as coisas correrem.
     O muçulmano que ouvisse em espírito falar contra algumas leis do Alcorão, pensaria seguramente que era um mau Espírito. O mesmo aconteceria com um judeu, no tocante a algumas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos, ouvimos um deles afirmar que o Espírito comunicante era o Diabo, porque se atrevia a pensar diferente dele sobre o poder temporal, embora só pregasse a caridade, a tolerância, o amor ao próximo, o desinteresse pelas coisas mundanas, de acordo com as máximas do Cristo.     
    Os Espíritos são as almas dos homens, e como os homens não são perfeitos, há também Espíritos imperfeitos, cujo caráter se reflete nas comunicações. É incontestável que há Espíritos maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais devemos nos prevenir. Mas por encontrar os perversos entre os homens devemos fugir de vida social? Deus nos deu a razão e o discernimento para apreciarmos os Espíritos e os Homens. A melhor maneira de evitar os possíveis inconvenientes da prática espírita não é impedi-la, mas esclarecê-la.Um temor imaginário pode impressionar por um instante e não atinge a todos, enquanto a realidade claramente demonstrada é compreensível para todos.
   47. Sistema Otimista: Ao lado dos sistemas que só vêem nos fenômenos a ação dos Demônios, há outros que só vêem a dos Espíritos bons. Partem do princípio de que, liberta da matéria, a alma está livre de qualquer véu e deve possuir a soberana ciência e a soberana sabedoria. Essa confiança cega na superioridade absoluta dos seres do mundo invisível tem sido, para muitas pessoas, a fonte de numerosas decepções. Elas tiveram de aprender á própria custa a desconfiar de alguns Espíritos, tanto como desconfiavam de alguns homens.
   48. Sistema Uniespírito ou Monoespírito: Uma variedade do sistema otimista é a crença de que um único Espírito se comunica com os homens e que esse Espírito é o Cristo, protetor da Terra. Quando as comunicações são da mais baixa trivialidade, de uma grosseria revoltante, cheias de malevolência e de maldade, seria impiedade e profanação supor que pudessem provir do espírito do bem por excelência. Ainda se poderia admitir a ilusão, se os que assim crêem só tivessem obtido comunicações excelentes. Mas a maioria deles declara ter recebido comunicações muito más, explicando tratar-se de uma prova a que o Espírito bom os submete ao ditar-lhes coisas absurdas. Assim, enquanto uns atribuem todas as comunicações ao Diabo, que pode fazer bons ditados para tentá-los, outros pensam que Jesus é o único a se manifestar e que pode fazer maus ditados para experimentá-los. Entre essas duas opiniões tão diversas, quem decidirá?  O bom senso e a experiência. E citamos a experiência, por que é impossível que os que adotam essas idéias tenham verificado tudo suficientemente.
            Quando lhes advertimos com os casos de identificação, que atestam a presença de parentes, amigos ou conhecidos pelas comunicações escritas, visuais e outras, respondem que é sempre o mesmo Espírito: o Diabo, segundo uns, o Cristo, segundo outros, que tomam aquelas formas. Mas não dizem por que razão os outros Espíritos não podem comunicar-se, com que fim o espírito da Verdade viria nos enganar sob falsas aparências, abusar de uma pobre mãe ao fingir-se o filho por ela chorado. A razão se recusa a admitir que o Espírito mais santo de todos venha a representar semelhante comédia. Além disso, negar a possibilidade de qualquer  outra comunicação não é tirar do Espiritismo o que ele tem de mais agradável: a consolação dos aflitos? Declaramos simplesmente que semelhante sistema é irracional e não pode resistir a um exame sério.
Sistema Multiespírita ou Poliespírita: Todos
os sistemas que examinamos, sem excetuar os negativos, fundamentam-se em algumas observações, mas incompletas ou mal interpretadas. Se uma casa é vermelha de um lado e branca do outro, quem a vir só de um lado afirmará que é apenas vermelha ou branca e estará ao mesmo tempo errado e certo; mas quem a vir de todos os lados dirá que tem as duas cores e só ele estará realmente com a verdade. Acontece o mesmo com as opiniões sobre o Espiritismo: pode ser verdadeira sobre certos aspectos e falsa se a generalizarem, tomando como regra o que é apenas exceção, interpretando como tal o que é somente uma parte. Por isso dizemos que quem desejar estudar seriamente esta ciência deve aprofundar-se bastante e durante longo tempo, pois só o tempo lhe permitirá perceber os detalhes, notar as nuanças delicadas, observar uma infinidade de fatos característicos que serão como raios luminosos. Mas se permanecer na superfície expõe-se a julgar prematuramente e portanto de maneira errônea.
Vejamos os resultados gerais a que chegamos através de uma observação completa, e que hoje formam a crença, podemos dizer da universalidade dos espíritas, porque os sistemas restritivos não passam de opiniões isoladas:
1º) Os fenômenos espíritas são produzidos por inteligências extracorpóreas, ou seja, pelos Espíritos.
2º) Os Espíritos constituem o mundo invisível e estão por toda parte; povoam os espaços até o infinito; há Espíritos incessantemente ao nosso redor e com eles estamos em contato.
3º) Os Espíritos agem constantemente sobre o mundo físico sobre o mundo moral, sendo uma das potências da Natureza.
4º) Os espíritos não são entidades à parte na Criação: são as almas dos que viveram na Terra ou em outros Mundos, desprovidas do seu envoltório corporal; do que se segue que as almas dos homens são Espíritos encarnados e que ao morrer nos tornamos Espíritos.
5º) Há Espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância.
6º) Estão submetidos à lei do progresso e todos podem chegar à perfeição, mas como dispõem do livre-arbítrio alcançam-na dentro de um tempo mais ou menos longo, segundo os seus esforços e a sua vontade.
7º) São felizes ou infelizes, conforme o bem ou mal que fizeram durante a vida e o grau de desenvolvimento a que chegaram à felicidade perfeita e sem nuvens só é alcançada pelos que chegaram ao supremo grau de perfeição.
8º) Todo sos Espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens, e o número dos que podem comunicar-se é indefinido.
9º) Os Espíritos se comunicam por meio dos médiuns, que lhes servem de instrumento e de intérpretes.
10º) Reconhecem-se a superioridade e a inferioridade dos Espíritos pela linguagem: os bons só aconselham o bem e só dizem coisas boas; os maus enganam e todas as suas palavras trazem o cunho da imperfeição e da ignorância.
    Os diversos graus porque passam os Espíritos constam da Escala Espírita (O Livro dos Espíritos, II parte, cap. I, nº 100). O estudo dessa classificação é indispensável para se avaliar a natureza dos Espíritos, que se manifestam e suas boas e más qualidades.
Sistema da Alma Material: Consiste apenas
numa opinião particular sobre a natureza íntima da alma, segundo a qual a alma e o espírito não seriam distintos, ou melhor, o perispírito seria a própria alma em depuração gradual por meio das transmigrações, como o álcool se depura nas destilações. Na Doutrina Espírita, entretanto o perispírito é considerado como simples envoltório fluídico da alma ou Espírito. Constituindo-se o perispírito de uma forma de matéria, embora muito eterizada, para o sistema em causa a alma seria também de natureza material, mais ou menos essencial, segundo o grau de sua depuração.
Este princípio não invalida nenhum dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita, pois nada modifica em relação ao destino da alma. As condições de sua felicidade futura são  as mesmas, a alma e o perispírito formando um todo sob denominação de Espírito, como o germe e o perisperma formam uma unidade sob o nome de fruto. Toda a questão se reduz em considerar o todo como homogêneo em vez de formado por duas partes distintas
      Como se vê, isto não leva a nenhuma conseqüência e não falaríamos a respeito se não houvéssemos encontrado pessoas inclinadas a ver uma escola nova no que não é, de fato, mais que uma simples questão de palavras. Esta opinião, aliás muito restrita, mesmo que fosse mais generalizada não representaria uma cisão entre os espíritas, da mesma maneira que as teorias da emissão ou das ondulações da luz não dividem os físicos. Os que desejassem separar-se por uma questão assim pueril, provariam dar mais importância ao acessório do que ao principal e estar impulsionados por Espíritos que não podem ser bons, porque os bons Espíritos não semeiam jamais o azedume e a cizânia. Eis porque concitamos todos os verdadeiros espíritas a se manterem em guarda contra semelhantes sugestões e não ligarem a alguns detalhes maior importância do que merecem, pois o fundo é que é o essencial.
    Cremos, não obstante, dever dizer em algumas palavras no que se funda a opinião dos que consideram a alma e o perispírito como distintos. Ela se apóia no ensino dos Espíritos, que jamais variam a esse respeito. Aludimos aos Espíritos esclarecidos, pois entre os Espíritos em geral há muitos que não sabem mais e até mesmo conhecem menos do que os homens. Aliás, essa teoria contrária é uma concepção humana. Não fomos nós que inventamos nem que supusemos a existência do perispírito para explicar os fenômenos. Sua existência nos foi revelada pelos Espíritos e a observação nela confirmou (O Livro dos Espíritos, nº 93). Ela se apóia ainda no estudo das sensações dos Espíritos (O Livro dos Espíritos, nº 257), E sobretudo no fenômeno das aparições tangíveis que para outros implicariam a solidificação e a desagregação dos elementos constitutivos da alma, e conseqüentemente a sua desorganização.
     Além disso, seria necessário admitir que essa matéria, que pode tornar-se perceptível aos nossos sentidos, fosse o próprio princípio inteligente, o que não é mais racional do que confundir o corpo com a alma ou a roupa com o corpo. Quanto à natureza íntima da alma nada sabemos. Quando se diz aquela é imaterial, devemos entendê-lo em sentido relativo e não absoluto, porque a imaterialidade absoluta seria o nada. Ora, a alma ou Espírito é alguma coisa. O que se quer dizer, portanto, é que a sua essência é de tal maneira superior que não apresenta nenhuma analogia com o que chamamos matéria, e que por isso ela é, para nós, imaterial (O Livro dos Espíritos, nº 23 e 82)(1)
Eis a resposta de um Espírito a respeito do
assunto:
            _ “O que uns chamam perispírito é o mesmo que outros chamam de envoltório fluídico. Eu diria, para me fazer compreender de maneira mais lógica, que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos, a extensão da vista e do pensamento. Mas me refiro aos Espíritos elevados.
            Quanto aos Espíritos inferiores, estão ainda completamente impregnados de fluidos terrenos; portanto, são materiais, como podeis compreender. Por isso sofrem fome, frio, etc., sofrimentos que não podem atingir os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos já foram depurados no seu pensamento, quer dizer, na sua alma. Para progredir, a alma necessita sempre de um instrumento, sem o qual ela não seria nada para vós, ou melhor, não o poderíeis conceber. O perispírito, para nós, Espíritos errantes, é o instrumento pelo qual nos comunicamos convoco, seja indiretamente, por meio do vosso corpo ou do vosso perispírito, seja diretamente com a vossa alma. Vem daí a infinita variedade de médiuns e de comunicações.
            Resta agora o problema científico, referente à própria essência do perispírito, que é outro assunto. Compreendei primeiro a sua possibilidade lógica.(9)  Resta, a seguir, a discussão da natureza dos fluidos, que é por enquanto inexplicável, pois a Ciência não conhece o suficiente a respeito, mas chegará a conhecê-los se quiser avançar com o Espiritismo. O perispírito pode variar de aparência, modificar-se ao infinito; a alma é a inteligência, não muda sua natureza.(10)  Neste assunto não podeis avançar, pois é uma questão que não pode ser explicada. Julgais que também não investigo, como vós? Vós pesquisais o perispírito, e nós atualmente pesquisamos a alma. Esperai, pois”. – LAMENNAIS.
    Assim, os Espíritos que podemos considerar adiantados ainda não puderam sondar a natureza da alma. Como poderíamos fazê-lo? É pois uma perda de tempo perscrutar o princípio das coisas que como ensina O Livro dos Espíritos (nº 17 e 49), pertence aos segredos de Deus. Pretender descobrir, por meio do Espiritismo, o que ainda não é do alcance da Humanidade, seria desviá-lo do seu verdadeiro objetivo, fazer como a criança que quisesse saber tanto quanto o velho. O essencial é que o homem aplique o Espiritismo no seu aperfeiçoamento moral. O mais é apenas curiosidade estéril e quase sempre orgulhosa, cuja satisfação não o faria avançar sequer um passo. O único meio de avançar é tornar-se melhor.
            Os Espíritos que ditaram o livro que traz o seu nome provaram a própria sabedoria ao respeitarem, no tocante ao princípio das coisas, os limites que Deus não nos permite passar, deixando aos Espíritos sistemáticos e presunçosos a responsabilidade das teorias prematuras e errôneas, mais fascinantes do que sérias, e que um dia cairão ao embate da razão, como tantas outras oriundas do cérebro humano. Só disseram o justamente necessário para que homem compreenda o seu futuro e assim encorajá-lo na prática do bem. (Ver a seguir, na segunda parte do cap. I: Ação dos Espíritos sobre a matéria).

(1) As mesmas dúvidas suscitadas pelo Espiritismo repetiram-se, um século após o seu advento, e portanto em nosso tempo, com o reinício das pesquisas científicas dos fenômenos paranormais (na verdade fenômenos espíritas) pela Parapsicologia. E o desenvolvimento desta nova ciência renova aos nossos olhos as mesmas disparidades de opinião que caracterizam o aparecimento do Espiritismo. (N. do T.)
 (2) Conta Simone de Beauvoir, em “Força da Idade”, uma experiência de tiptologia com Jean Paul Sartre, em que ela fez a mesa bater à vontade, iludindo a todos, inclusive o próprio filósofo. Como se vê por essa brincadeira entre filósofos ateus e céticos, a posição da inteligência francesa ainda não mudou a respeito do assunto. É pena que em vez de brincar não tenham feito uma experiência séria. (N. do T.)

(3) Médico Jobert, de Lamballe. Para sermos justos devemos dizer que essa descoberta se deve ao sr. Schiff. O sr. Jobert apenas desenvolveu as suas conseqüências perante a Academia de Medicina para dar o golpe decisivo nos Espíritos batedores. Todos os detalhes podem ser encontrados na Revista Espíritade junho de 1859. (Nota de Kardec)
(4) Ernesto Bozzano defenderia mais tarde esta tese em “Animismo e Espiritismo”, num sentido mais amplo. Ver esse livro (N. do T.)
(5) “Comunhão. A luz do fenômeno do Espírito. Mesas falantes, sonâmbulos, médiuns, milagres. Magnetismo espiritual: poder da prática na fé. Por Ema Tirpse, uma alma coletiva escrevendo por intermédio de uma prancheta.” Bruxelas, 1858, edição Devroye
 (6) O sistema da excitação das idéias é hoje renovado pela hipótese igualmente falsa do “inconsciente excitado”, que pseudoparapsicólogos procuram difundir contra as manifestações espíritas. Como se vê, os meios e as armas de combate ao Espiritismo continuam os mesmos, apenas com algumas adaptações às novas condições culturaisMas, em compensação, as respostas já estão praticamente dadas nas obras de Kardec. O espírita que as estuda com atenção refutará facilmente essas repetições de velhos sistemas superados. (N. do T.)
 (7) Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes), mas recomendamos a respeito, como para tudo que se refere à parte religiosa, a brochura intitulada: Carta de um católico sobre o espiritismo, do Dr. Grand, antigo cônsul da França (edição Ledoyen) e a que publicamos com o título de Os Contraditores do Espiritismo do ponto de vista da Religião, da Ciência e do Materialismo (N. de Kardec.)
(1) O Espírito é definido no nº 23 de O Livro dos Espíritos como princípio inteligente, em comparação com o princípio material. O nº27 explica que esses dois princípios, tendo Deus como a sua fonte, forma a trindade universal, princípio de todas coisas. Isto nos mostra que a concepção espírita do Universo é monista, num sentido espiritual. As ciências atuais estão chegando a essa concepção, como vemos pelo conceito moderno de matéria como concentração de energia. Alguns estudiosos não compreenderam bem esta posição doutrinária e pensam que matéria e Espírito são a mesma coisa. Kardec e os Espíritos negam a concepção abstrata do Espírito, conforme a teologia e a metafísica antiga, porque essa concepção torna o Espírito inacessível ao pensamento humano. Por isso Kardec afirma que a alma (Espírito encarnado, que anima o corpo) ou o Espírito (o ser desencarnado) é alguma coisa. O mesmo acontece hoje na Parapsicologia, quando Rhine e seus companheiros constatando que o pensamento não se sujeita às leis físicas, afirmam a sua natureza extrafísica, evitando adotar a expressão espiritual, que levaria a uma interpretação teológica. Os estudantes de Espiritismo devem atentar bem para este problema (N. do T.)
(9) Comprenez d´abort moralement, diz o original. A tradução geralmente usada: Compreendei primeiro moralmente é literal, mas não corresponde ao sentido do texto, pois moralmente não têm, na nossa língua, todas as acepções do francês. No original quer dizer, segundo o leitor pode verificar num bom dicionário francês: segundo as possibilidades do campo das opiniões ou do sentimento. (Ver, por exemplo, os dicionários Larousse ou Quillet). (N. do T.)
(10)  O texto francês disse: Lê perisprit peut varier et changer à I´infinit, I´âme est la pensée; elle ne change pás de nature. As traduções, em geral, são literais,mas não correspondem ao sentido do texto. La pensée, no caso, quer dizer inteligência, segundo a proposição cartesiana vigente na época: o pensamento é o atributo essencial do Espírito e a extensão é o da matéria. Consulte-se o verbete pensée num bom dicionário francês. Dizer hoje, e particularmente em português,que a alma é o pensamento equivale a deixar o leitor em dúvida quanto ao sentido da frase e quanto ao significado da palavra pensamento no Espiritismo, onde a alma como o Espírito, são o princípio inteligente e portanto a inteligência em sentido lato, origem do pensamento. (N. do T.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentem de forma civilizada.